ISSN: 2319-0086

Discursos

1)Discurso da Presidente da ABEn Nacional - Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca

Hoje é um dia muito esperado, preparado, vislumbrado, aguardado. Garanto que, escondidos, muitos dedos cruzados e em figa guardam desejos de sucesso. Muitos corações batendo rápido, um aperto na barriga e um misto de medo e ansiedade coroam a expectativa de que tudo o que foi preparado pela Associação Brasileira de Enfermagem Seção Alagoas e pela ABEn Nacional, possa atender as nossas e também de vocês de realizar um Congresso de excelência, queridos congressistas. Sem tudo isto não haveria este evento. Sem tudo isto não haveria a responsabilidade de realizar pela sexagésima nona vez a reunião anual mais importante da Associação Brasileira de Enfermagem. Sem desmerecer as demais, este é o evento de maior projeção da enfermagem ciência, arte e política no nosso país. E queremos que assim continue sendo. Nesta oportunidade, em meu nome e de toda a ABEn Nacional, quero agradecer enormemente à Seção Alagoas e as Comissões que muito trabalharam na organização do evento, dos menores detalhes às maiores e mais importantes decisões. Quero agradecer a cada pessoa, instituição, organização que irmanou-se conosco para a realização deste evento. Mais uma vez reforçamos que o trabalho conjunto é o segredo do sucesso. Espero que daqui a 4 dias possamos repetir isto em alto e bom tom diante do sucesso alcançado pelos nossos esforços.
E, além disso, o que temos para hoje?
Em primeiro lugar, a continuidade do cumprimento da missão da ABEn de ditar os rumos e participar intensamente da construção da Enfermagem Brasileira. Na confluência da tradição, do respeito pela história e da abordagem crítica das questões inerentes ao desenvolvimento da profissão de enfermagem, a Associação Brasileira de Enfermagem vem, há noventa e um anos, consolidando uma trajetória exemplar na sociedade brasileira. Ao longo da sua história, as reflexões, discussões e decisões sobre assuntos pertinentes e prementes da profissão têm possibilitado intervenções em relevantes questões da saúde e condições de vida da população. No campo da ciência, é verdade inconteste que a ABEn é referência na construção e divulgação do conhecimento da enfermagem em benefício da população.
É importante ressaltar que a atuação da ABEn não se restringe somente aos interesses dos associados, pois sua ação é expandida e ampliada aos espaços políticos e decisivos do fazer saúde, educação e ciência tanto no âmbito nacional quanto internacional. Prova disso é que temos estado presentes em espaços privilegiados de defesa da cidadania e dos direitos da população como o Conselho Nacional de Saúde e tantas outras instâncias de reflexão e deliberação dos rumos das nossas políticas públicas, especialmente de saúde e educação. Quando alguém pergunta “O que a ABEn pode fazer por mim?” é com muito orgulho que podemos responder que é a garantia de ter uma Associação batalhando pelas políticas públicas relacionadas à enfermagem, à educação em enfermagem e à saúde neste País. E isto não se estende aos abenistas mas a toda a categoria de enfermagem. Se, de um lado, temos que nos alegrar em historicamente estarmos presentes e atuantes em muitos espaços de decisão, de outro, temos que lamentar profundamente o fato de estarmos testemunhando, do lado de dentro, os desmontes muito contrários aos nossos interesses, que vêm incidindo sobre a sociedade brasileira e, consequentemente, cada um de nós, em termos de retrocessos de direitos civis, profissionais, de cidadania.
É com muita dor d’alma, temos que reconhecer que mesmo sob o sol e a lua radiante que nos iluminam, a brisa suave que nos acaricia e o maravilhoso mar que nos encanta, hoje estamos de luto! Talvez devêssemos mesmo abdicar do colorido das nossas vestes e nos cobrirmos de preto, da cabeça aos pés, numa demonstração inequívoca da dor que nos acomete quando testemunhamos desde há muito mas culminado há uma semana atrás a destruição, o desmonte, a espoliação e a destruição de uma das políticas que, mesmo aos trancos e barrancos, vinha sendo bem sucedida sucesso no cenário da atenção à saúde neste País. É com pesar que me refiro à aprovação da Nova Política Nacional de Atenção Básica, no último dia 31 de agosto. Faço minhas as palavras da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, quando a isto, brilhantemente, se refere: “Mesmo com o embasamento teórico produzido pelas universidades e centros de pesquisa dedicados ao estudo da Atenção Primária em Saúde; mesmo com a vivência prática de inúmeros profissionais dedicados à saúde integral e os robustos dados que comprovam a eficácia da Estratégia da Saúde da Família (ESF) nos indicadores de saúde e na vida de milhões de brasileiros, o Ministério da Saúde (MS) liderado por Ricardo Barros, aprovou a minuta de revisão de diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). A “nova” proposta foi pactuada na 8ª reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), realizada nesta quinta-feira, 31 de agosto, em Brasília (DF). Foram inúmeras as manifestações contrárias à Nova PNAB, que de nada adiantaram. Chamo a atenção para o conteúdo de uma outra nota, da mesma ABRASCO, do CEBES e da Escola Nacional de Saúde Pública contra os efeitos deletérios desta Política e com as quais concordo plenamente: “As atuais ameaças aos princípios e diretrizes do SUS de universalidade, integralidade, equidade e participação social parecem não ter fim. Não bastasse o estado de sítio fiscal imposto por um governo ilegítimo e golpista com a promulgação da Emenda Constitucional 95 que fere de morte o SUS ao agravar o sub-financiamento crônico, reduzindo progressivamente seus recursos por 20 anos, agora nos defrontamos com uma proposta de reformulação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Causa imensa preocupação a proposição de uma reformulação da PNAB num momento de ataque aos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. A revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica proposta pelo Ministério da Saúde revoga a prioridade do modelo assistencial da Estratégia Saúde da Família no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Embora a minuta da PNAB afirme a Saúde da Família estratégia prioritária para expansão e consolidação da Atenção Básica, o texto, na prática, rompe com sua centralidade na organização do SUS, instituindo financiamento específico para quaisquer outros modelos na atenção básica (para além daquelas populações específicas já definidas na atual PNAB como ribeirinhas, população de rua) que não contemplam a composição de equipes multiprofissionais com a presença de agentes comunitários de saúde. Esta decisão abre a possibilidade de organizar a Atenção Básica com base em princípios opostos aos da Atenção Primária em Saúde, estabelecidos anteriormente e adotados no SUS.
Fazendo coro com estas organizações, a Associação Brasileira de Enfermagem também se manifestou veementemente contrária a esta política em matéria divulgada nas redes sociais no início de agosto, diante da exiguidade de tempo dada pelo Ministério da Saúde para consulta pública.
Não adiantou. Foram absolutamente incólumes as manifestações a respeito da PNAB. Como disse anteriormente, mesmo sob toda a clama da sociedade civil organizada, aí está hoje, concretizada, esta política funesta e destruidora. E como fica a enfermagem nisso tudo?
Destaco, a seguir, alguns trechos das declarações oficiais sobre a nova PNAB e as algumas das consequências deletérias desta nova realidade, em especial para a enfermagem. Matéria publicada em site oficial do Ministério da Saúde destaca:
“A nova legislação traz novas atribuições para os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), como aferir pressão arterial e glicemia capilar, além de fazer curativos limpos. Essas novas atividades começarão após autorização legal e capacitação técnica para tal”....
Continua ainda ... “De um total de 329 mil agentes comunitários de saúde e de combate às endemias, 40% já possuem qualificação como técnicos em enfermagem e estão aptos a realizar as novas funções”.
Um olhar um pouco mais acurado sobre estas pretendidas modificações, ao invés de considerá-las avanço, como o Ministério da Saúde considera, mostra uma extrema discrepância entre o que é prerrogativa preconizada e aprovada no exercício profissional da enfermeira e o que está agora indicado para o exercício profissional dos Agentes Comunitários de Saúde. Ao adotar estas atividades como suas, além de exercício profissional ilegal, estes profissionais ultrapassam em muito a sua expertise invadindo o campo privativo dos profissionais de enfermagem de nível superior e técnico. E mais: diante da argumentação de que muitos já são técnicos de enfermagem, questiona-se: por que estes trabalhadores não passam, então, a atuar como técnicos de enfermagem, contribuindo assim para qualificar ainda mais as equipes? Inclusive, desta maneira, seu exercício profissional estaria plenamente de acordo com a sua capacitação profissional. É claro que atrás disto existe uma política de sucateamento de investimentos em recursos humanos, sob a alegação falsa de ampliação dos serviços de saúde à população.
Diante da argumentação de que serão qualificados para tal, ainda é passível de questionamento: qual o profissional que tem expertise e que será chamado a capacitá-los? É claro que os Agentes Comunitários de Saúde só poderão ser qualificados por enfermeiros, ou seja, além de termos nosso fazer estendido ilegalmente para outros profissionais, ainda teremos que qualificá-los para isto? Onde fica a nossa ética profissional? Pior ainda, como sabemos da subalternidade histórica da profissional enfermeira, é muito provável que ela será obrigada a participar desta nefasta ilegalidade sob pena de sofrer sanções que culminariam com a perda do emprego.
Há ainda considerações a fazer de outra ordem: é sabido e cantado em verso e prosa que a maior parte dos profissionais de enfermagem e agentes comunitários de saúde é constituída por mulheres. Vem daí a determinação de mais uma fragilidade da nossa profissão, se considerarmos o lugar de subalternidade que as mulheres ocupam na sociedade. Mais uma vez a nós, mulheres, é imputada a ilegalidade, o fazer fora do lugar e o fazer distorcido. Isto, sem falar no que considero mais grave: a criação e a imputação de motivos para ficarmos umas contra as outras (enfermeiras contra agentes comunitárias de saúde), sem sairmos do lugar da subalternidade que nos é destinado, de cidadãs de segunda classe. Ao invés de nos unirmos para fazer frente à histórica situação de subalternização que ocupamos na sociedade e na área da saúde, ainda minam as nossas relações, ainda estimulam lutas insanas, ainda querem transformar as equipes de saúde da família em campos de disputa profissional. Pergunto: é justo isto? Espero que ao invés de lutarmos contra as Agentes Comunitárias de Saúde, aderindo ao canto da sereia de que aí está nosso inimigo, possamos nos unir a elas e reivindicar um lugar que nos liberte da histórica subalternidade e garanta nossos direitos de trabalhadoras com expertise e fazer compatíveis com a dignidade profissional de cada uma. Sugiro que ao invés de brigarmos, nos unamos na reivindicação histórica de qualificar os Agentes Comunitários de Saúde para transformá-los em Técnicos de Enfermagem e assim ascenderem na escala profissional.
É preciso ter claro que as medidas preconizadas pela Nova PNAD estão apenas e tão somente dourando a pílula mas ela continua amarga e iatrogênica em relação às nossas relações de gênero (mulheres e mulheres) e profissionais (enfermeiras e agentes comunitárias de saúde).
Eu poderia seguir falando mais e mais sobre estas e outras mazelas que nos afligem neste momento e quero reforçar aqui que há muitas outras contradições desta política em relação à enfermagem que devem ser explicitadas e enfrentadas. Espero que este congresso aborde várias delas e que todas e todos nós continuemos a nos capacitar para uma crítica responsável e profunda em relação a isto.
Para finalizar, gostaria de pontuar algumas medidas que a Associação Brasileira de Enfermagem vem tomando em relação a estas coisas, neste momento.
A Assembleia Nacional dos Delegados da ABEn, um dos seus órgãos deliberativos máximos, reunida nos dias 3 e 4 de setembro, aqui em Maceió, analisou várias questões que envolvem a PNAB não só nos seus aspectos gerais, mas também em relação às consequências para a enfermagem. Deliberou continuar as nossas ações de enfrentamento do desmonte provocado por ela e propôs, entre outras ações compartilhar estas preocupações com vocês, participantes deste Congresso Brasileiro de Enfermagem e, neste momento propor que todos assinem uma moção de repúdio da aprovação da PNAB, com o seguinte texto:

MOÇÃO DE REPÚDIO

“Nós abaixo assinados, participantes do 69o Congresso Brasileiro de Enfermagem, realizado na cidade de Maceió-AL, de 5 a 8 de setembro de 2017, repudiamos veementemente a “Nova Política Nacional de Atenção Básica – PNAB” pelo grave rompimento com os direitos sociais, conquistados ao longo de décadas, e nos posicionamos em defesa do SUS que garante a integralidade, a universalidade, a equidade, a participação popular e o controle social.
A “Nova PNAB” 2017
- Descaracteriza os atributos da atenção básica, como o acesso ao serviço público de qualidade, garantido por equipe multidisciplinar, em um sistema descentralizado, regionalizado e hierarquizado.
- Destrói direitos sociais ao incorporar a lógica, as regras e os interesses do mercado predatório para dentro de uma política pública, que rompe com o acesso universal à saúde.
- Descaracteriza a atuação técnica e profissional de enfermeiros e de técnicos de enfermagem, quando delega a outro profissional da Estratégia Saúde da Família atribuições que são da competência legal dos profissionais de Enfermagem, previstas na Lei do Exercício Profissional (Lei 7498/86), Regulamentada pelo Decreto 94.406/87.
- Compromete o cuidado integral e fragiliza o vínculo do profissional com o cidadão e a comunidade ao diversificar, na equipe, a jornada de trabalho.
- Impede a implementação do modelo de vigilância em saúde, como norteador do cuidado.
- Compromete a qualidade do atendimento à população pela composição mínima da equipe.
Assim, reiteramos o posicionamento da Associação Brasileira de Enfermagem contrária à “Nova PNAB”, ao desmonte do SUS, à diminuição de direitos sociais e aos movimentos de políticos oportunistas, antidemocráticos com propostas excludentes e desagregadoras para todos nós trabalhadores, usuários e gestores.
Reforçamos a importância e o papel fundamental da Enfermagem para a garantia da qualidade da atenção à saúde, reafirmando a saúde como direito de todos e dever do estado.
Esta moção é só o começo das nossas ações neste momento, Além desta, outras medidas serão tomadas pela Associação Brasileira de Enfermagem, inclusive junto às escolas, para fortalecer a luta contra esta política que declaradamente é contrária aos interesses dos trabalhadores da enfermagem, da saúde, das organizações sociais e da população. Neste momento, conclamo todos vocês para empreendermos juntos esta jornada na defesa inconteste do SUS e dos direitos sociais dos trabalhadores da enfermagem, dos direitos das mulheres e de toda a população brasileira.
Viva a Enfermagem, viva a Associação Brasileira de Enfermagem

Obrigada,
Rosa Godoy
Presidente Nacional da Associação Brasileira de Enfermagem

2) Discurso do Presidente da ABEn Alagoas - James Farley Estevam dos Santos

• Cumprimento a Excelentíssima Presidente da Associação Brasileira de Enfermagem;
• Cumprimento todos os colegas abenistas que colaboraram na construção dessa entidade;
• Ilustríssimas Autoridades do governo municipal, estadual e federal;
• Ilustríssimas Autoridades de entidades de representação da Enfermagem;
• Ilustríssimas Autoridades do ensino, pesquisa e serviços de Enfermagem;
• Ilustríssimos Enfermeiros e estudantes de Enfermagem;
• A todos os presentes, senhoras e senhores, boa noite!

“Impõe-se hoje um instigante problema a todo socialista que sinta como algo vivo o sentido da responsabilidade histórica que incumbe a classe trabalhadora e ao partido que representa a consciência crítica e operante da missão desta classe. Como dominar as imensas forças sociais que a guerra desencadeou? Como discipliná-las e dar-lhes uma forma política que tenha em si a virtude de desenvolver-se normalmente, de completar-se continuamente, até tornar-se a ossatura do Estado socialista no qual se encarnará a ditadura do proletariado? Como ligar o presente ao futuro, satisfazendo as urgentes necessidades do presente e trabalhando de modo útil para criar e antecipar o futuro?”
Essas não são palavras minhas, são palavras do filósofo italiano Antonio Gramsci, ao expressar a sua preocupação com essas questões, as quais considero importantes, por isso as trouxe para essa fala inicial, com todo o respeito que tão imponente pensador merece e com toda a humildade que me cabe. Então, o esforço é refletir sobre como e onde a ABEn se localiza nesse conflito de posições, que penso ser a própria luta de classes.
Para refletir sobre essas questões, é importante considerar que a Enfermagem é um campo de conhecimento que se ocupa do estudo das práticas de cuidado, bem como de tudo aquilo que é necessário para a produção, reprodução, organização e valorização de tais práticas, cuja operação desse conhecimento é ofício de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem.
No Brasil e no mundo, ao longo da história, o trabalho desenvolvido por esses sujeitos demonstrou a sua relevância, logicamente devido à demanda social por cuidado de enfermagem, ao ponto em que é possível afirmar que colaboramos enormemente para a manutenção da vida e saúde do planeta, considerando o expressivo quantitativo de trabalhadores na área e a especificidade de suas ações. Contudo, mesmo sendo um trabalho tão importante, que objetiva preservar e mobilizar as capacidades de vida e cura das pessoas, por sua própria natureza, esse trabalho é incompatível com o hegemônico arranjo social, justamente por ser um ofício que implica na relação entre pessoas, num sistema que nos direciona ao individualismo, à vaidade e à ambição, por ser um trabalho que requer autoconhecimento e aceitação do próximo, num momento em que são articulados meios para esvaziar o ser humano de si mesmo, por ser um trabalho que busca promover saúde e dignidade, num contexto em que somos coisificados, silenciados e expropriados de nossos direitos.
Então, parece razoável afirmar que a partir da inserção da Enfermagem nos ditos modernos padrões para o seu exercício, as enfermeiras logo perceberam a necessidade da associação de caráter político-filosófico para a consecução de visibilidade e reconhecimento. É exemplo disso a criação das entidades civis de enfermagem ao redor do mundo e no Brasil a criação da própria ABEn, nascida do entendimento de que para uma profissão se desenvolver e progredir, precisa ter uma Associação e uma Revista.
Continuando, podemos aprender bastante com as palavras do marco italiano, quando ele explica que a resistência dos trabalhadores se dá, inicialmente, pela luta sindical elementar, espontânea, pois advém da própria situação em que se encontram os operários. Contudo, adverte que essa espontaneidade não é suficiente para dar direcionalidade à resistência, é necessário à crítica genuína e disposta, é necessário o elemento consciência de onde estamos e aonde queremos chegar.
Se for possível trazer esse pensamento à questão da ABEn, e acredito que o é, pois a Associação também é um organismo da sociedade civil, chegamos ao ponto focal desse exercício: a argumentação de que as lideranças da ABEn precisam continuar com o esforço histórico de conduzir a entidade sob a égide dos princípios éticos e humanísticos, de resistência e reinvindicação, de liberdade, democracia verdadeira, justiça social, inclusão, autonomia, participação e representação, de forma a garantir a estudantes e trabalhadores um exercício de enfermagem digno, seguro, resolutivo, equânime e integral.
Para tanto, seria inocência ou tolice pensar que o isolamento de cada sujeito bastaria para alcançar tais objetivos. É justamente o oposto. Cada abenista deve ser um sujeito político ativo, que num conjunto maior, incluindo o modo de representação, organização e funcionamento da entidade nos municípios, estados e nacionalmente, evidencia a unidade da ABEn, não uma unidade estática e mecânica em que pouco se discute e muito menos se resolve, mas sim uma unidade vibrante, que se critica e se reencontra sempre nos princípios que a orientam. Essa é a grande fortaleça da ABEn que a trouxe viva de um século a outro: juntos somos mais fortes e mais fortes podemos mais.
Também seria imprudência supor que tal unidade de pensamento e ação fosse alcançada espontaneamente. É necessário um trabalho de gerações em elevar o nível intelectual dos exercentes da Enfermagem a luz de uma educação que os tornem capazes de analisar e extrair da realidade os elementos para ações de consecução dos seus direitos. Uma educação que supera a superficialidade, o ecletismo e o modismo típicos da modernidade. Logo, entendo que tem sido sobre a égide dessa compreensão que a ABEn tem mantido o seu protagonismo nas questões da educação em Enfermagem, pois logo percebeu o papel estratégico da educação na libertação do homem e fortalecimento da Enfermagem.
Então, considerando a conjuntura atual, firmemente alicerçada nos princípios da acumulação de riquezas, da competição, da meritocracia e do individualismo, é preciso fortalecer a consciência de classe. É preciso despertar nos exercentes da Enfermagem um sentimento de pertença à classe, de companheirismo, formatando um compromisso perene com esse ofício, o que é imprescindível na luta em favor do reconhecimento social do trabalho desenvolvido pelos agentes das categorias de enfermagem, da sua melhor formação e qualificação e de sua maior representatividade nos espaços de poder de maneira coerente com o seu expressivo quantitativo e com a grande responsabilidade assumida na prestação de ações e serviços de saúde.
Fazendo um aposto, enquanto tecia essa fala, veio-me a mente a imagem de um quilombo, talvez porque já esteja envolvido pela imagem de Zumbi dos Palmares que estampa a logomarca do 69º Congresso Brasileiro de Enfermagem.
Então, o que eram os quilombos? Eram agrupamentos, uma comunidade rural formada por escravos e seus descendentes, fugidos ou resgatados da opressão da escravidão, para que, vivendo num sistema de subsistência, pudessem entrar em contato com o seu divino, estabelecendo vinculo com o seu passado, se organizarem e se defenderem das ameaças da escravidão, ensinar, transmitir e manifestar as suas concepções culturais de forma a manter viva a sua identidade e história, pois respeitavam os seus ancestrais e amavam a sua terra natal, e curarem os seus feridos, seus corpos e almas, inclusive o seu orgulho, cuidar de seus idosos, das crianças e gestantes, e também para se divertirem, brincando e dançando, mas, sobretudo, para se reencontrarem consigo mesmo, mediante tudo isso, inclusive pelo trabalho árduo, já não mais explorado, mas sim para sustentar os próprios quilombolas.
Então, seria a imagem de Zumbi dos Palmares uma obra do acaso nos protegendo enquanto andamos distraídos? Eu acredito que não. Penso que é o desejo e a necessidade de aprofundarmos e insistirmos numa ABEn que sempre e cada vez mais se pauta nos princípios herdados do Participação. Somente assim, e não de outra maneira, é que vamos agitar as nossa fileiras, em que estudantes e trabalhadores de enfermagem se identificam com a ABEn ao reconhecerem nela o seu espaço de luta. É assim que vamos incrementar a nossa representatividade, quantitativamente, pois as exigências materiais não esperam, mas principalmente de modo qualitativo. Desta maneira, a proposta é de edificar a ABEn como um grande quilombo, livre, feliz, altivo, corajoso e combativo.
Então, se aceitamos tal demanda, também podemos concordar com Gramsci, quando ele mesmo responde àquelas indagações iniciais, afirmando que “somente de um trabalho comum e solidário de esclarecimento, de persuasão e de educação reciproca é que nascerá a ação concreta de construção. O estado socialista já existe potencialmente nas instituições de vida social características da classe trabalhadora explorada. Articular entre si estas instituições [...] significa criar desde já uma verdadeira democracia operária, em eficiente e ativa contraposição ao Estado burguês.” Marcando com precisão o papel das entidades civis de representação e o necessário diálogo entre elas, respeitando a História da Enfermagem Brasileira, a função precípua de cada uma delas e tendo em vista o pioneirismo e protagonismo da ABEn em todos os seus anos de luta.
Para esse Congresso, o propósito é o de demonstrar o fortalecimento das conquistas já alcançadas e perseverar na luta, tomando a ABEn-AL como espaço de formação política para os entes da Enfermagem e veículo de suas reinvindicações. Essas letras objetivaram ser a expressão de princípios e valores com os quais temos compromisso, pois quando sabemos de onde vem à luz que aclara a estrada, fica mais seguro caminhar.
Desejo uma ótima experiência de evento e de participação política. Sejam bem vindos!

Muito obrigado!
James Farley Estevam dos Santos
Presidente da ABEn Alagoas

3) Discurso da Coordenadora da Comissão Executiva Local do 69º CBEn, vice-presidente da ABEn Alagoas – Danielly Santos dos Anjos Cardoso

Boa noite a todas e todos aqui presentes.
Sejam muito bem vindas e bem vindos ao maior evento da enfermagem latino-americana – o 69º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Saúdo a mesa em nome do presidente da Associação Brasileira de Enfermagem seção AL, James Farley Estevam dos Santos, pelo significado de sua presença hoje à frente desta entidade aqui no estado, o primeiro homem a suceder uma história construída e marcada pelo trabalho de mulheres aguerridas, determinadas, competentes no fazer da Enfermagem e compromissadas com os seus preceitos, valores, significados e todo caminho trilhado até aqui de conquistas e lutas.
Mas, diante desse comprometimento sócio-histórico e ético-político, não seria qualquer homem que nós deixaríamos ocupar esse lugar, não é mesmo?
Ele é um homem negro, com uma história de vida linda, de muita persistência e determinação pautada pela luta, resistência e militância para afirmar suas diferenças cotidianamente nessa sociedade dividida por classe, cor e gênero. Além de sua vivência e contribuição à entidade como associado ativo e participativo desde sua vida estudantil. Por esses e outros motivos que aceitei o convite em assumir a coordenação deste evento e agradeço a confiança recebida por você e pela Profa Rosa Godoy, presidente deste Congresso e da ABEn, por estar aqui, ocupando hoje este lugar e a vice-presidência da Aben-AL. Entidade esta que tenho muito orgulho em fazer parte pela sua contribuição histórica, política, científica, ética e cultural para Enfermagem brasileira, este ano comemorando os seus 91 anos de existência.
Quero saudar a todas e todos, enfermeiras e enfermeiros aqui presentes em nome da enfermeira Else Guedes, para mim um exemplo, pela sua capacidade de liderança, ética e competência, não a toa coordena a comissão de finanças desse congresso. Saúdo aos auxiliares e técnicos de enfermagem em nome da técnica de enfermagem Eluciane Soares da Luz, mulher negra, valente e muito humana no lidar com o outro.
Saúdo a todas e todos docentes presentes em nome das Professoras Dras Lenira Maria Wanderley e Regina Maria dos Santos, exemplos de resistência, luta e muito trabalho dedicado a Enfermagem alagoana e brasileira, um orgulho ter vocês como eternas mestres, amigas e companheiras de jornada.
Saúdo aos gestores enfermeiros em nome da Enfª Drª Lúcélia Sales, atual Diretora do Departamento de Atenção à saúde de Maceió-AL e integrante da comissão de temas do 69º Cben.
Saúdo a todos os estudantes em nome da estudante Regina Couto, integrante do Centro Acadêmico de Enfermagem 12 de maio, do Fórum em defesa do SUS aqui no estado e da Executiva Nacional dos estudantes.
Gostaria inicialmente de falar do desafio que representou realizar esse 69º Congresso Brasileiro de Enfermagem aqui no estado, na conjuntura nacional e internacional em que nos encontramos, pautada pela combinação de medidas e decisões políticas e institucionais que favorecem avanços econômicos dissociados de avanços sociais, humanos e verdadeiramente democráticos. Ao mesmo tempo e especialmente em um momento de ataques frequentes e explícitos ao Sistema Único de Saúde e a categoria de enfermagem com desdobramentos locais significativos, como o desmonte do pouco que se tem investido e construído na atenção primária no estado ao longo de todos esses anos.
Reflexo e aprofundamento da precarização em saúde materializado recentemente pelas mudanças nas bases legais da Política Nacional de Atenção Básica em Saúde no Brasil, como se fosse possível aqui no país, prestar uma atenção primária com qualidade e resolutividade sem o fortalecimento do trabalho característico da Estratégia Saúde da Família, ou ainda, em qualquer lugar do mundo sem a presença das enfermeiras e enfermeiros.
Com certeza, sentimos o rebatimento deste contexto, mas, como somos enfermeiras, nordestinas e brasileiras – homens sintam-se representados, não desistimos nunca. Então, neste momento entrego a vocês o resultado de aproximadamente dez meses de trabalho árduo, mas muito prazeroso e dignificante – O 69º Congresso Brasileiro de Enfermagem, com uma programação arrojada, diversificada, propositiva, crítica, reflexiva, rtística e cultural de qualidade, construída com muito cuidado e afinco para estar à altura da enfermagem alagoana e brasileira. Aproveitem!
Será quatro dias intensos de trocas, não só de saberes e práticas mas de sorrisos, diálogos, abraços, além de muito aprendizado, socialização do conhecimento, de múltiplas experiências e vivências. Esperamos que o 69º CBEn seja de fato, um espaço profícuo para muitas deliberações, encaminhamentos e escolhas do caminho a ser trilhado de hoje por diante por esta categoria que representa o maior contingente de trabalhadores do setor saúde no Brasil, na qual sua população é SUS dependente. Que força juntos nós temos, juntos!
Neste sentido, a escolha do tema central “O trabalho de enfermagem na construção de uma sociedade democrática” não poderia ser mais oportuno para aprofundarmos o debate e sobre a continuidade do compromisso da enfermagem e de suas representações, em destaque a ABEn, com ela própria, com seus associados, com o Sistema Único de Saúde, público e de qualidade, enfim, com a construção efetiva de uma sociedade mais justa e igualitária.
Para representar essa nossa escolha, utilizamos como logomarca do 69º CBEn a figura de “Zumbi dos Palmares” e do “Gogó da Ema” símbolos para nós de resistência, luta e muita resiliência.
Zumbi, o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial hoje em terras alagoanas, um dos maiores representantes da resistência negra contra a exploração do trabalho humano e escravidão.
E o Gogó da Ema um dos maiores símbolos da nossa alagoanidade, o coqueiro que com sua exuberante curvatura, desafiava a lei da gravidade, pois, para permanecer de pé tinha a necessidade de fixar-se ao máximo no chão.
Estes símbolos, representam igualmente a força, coragem e resistência do povo alagoano, nordestino e brasileiro que luta diariamente para se manterem vivos e de pé, diante de tantas adversidades. Da mesma forma a Enfermagem, uma categoria que historicamente representa para a saúde no Brasil este sinônimo de garra, luta, coragem e resistência e este sentido precisa ser renovado e capilarizado cotidianamente em nosso fazer, para nos mantermos vivos, atuantes e dispostos para os muitos enfrentamentos que ainda estão por vir.
Por último, mas não menos importante, as tradicionais jangadas que nos remete as belezas naturais e gastronômicas da terra, um convite a felicidade, desfrutem também de nossas riquezas.
Pensando neste contexto, é que o 69º CBEn foi construído, ao mesmo tempo em que se aprofundam a precarização das condições de trabalho em saúde/enfermagem, ficando assim reduzido o potencial transformador desse trabalho na consecução de justiça e igualdade social, buscaremos discutir estratégias de democratização e fortalecimento do direito à saúde, sempre na perspectiva da construção de uma sociedade livre e justa, sem exploração e discriminação de qualquer natureza.
Considerando o objetivo do evento, as discussões se inscrevem em torno de temas de extrema relevância para o trabalho em enfermagem, tais como formação em saúde/enfermagem, trabalho interdisciplinar, processo de trabalho, saúde da pessoa em situação de rua, assédio moral, saúde mental, saúde do trabalhador, raça/etnia, gênero, pesquisa científica, ética e bioética, sustentabilidade, inclusão social, cuidado de enfermagem em todas as suas frentes de atuação entre outros.
Para isto, a programação conta com participantes de renome nacional e internacional, acontecerão mesas-redondas, diálogos temáticos, rodas de conversa, apresentação de trabalhos, entre outras atividades científicas e deliberativas relacionadas à área de enfermagem.
Além da programação científica, haverá atividades culturais durante todo o evento, com apresentações de grupos artísticos/folclóricos locais, bem como a realização da feira tecnológica, trazendo novidades sobre a prática em saúde. No 69º CBEn, também acontecerá a prova de título para especialista em enfermagem em psiquiatria e saúde mental e o colóquio de enfermagem em saúde mental.
Uma especificidade deste CBEn é o Espaço Mocambo, assim denominado por significar a morada, acolhida e refúgio do povo quilombola. Abrigo e amparo nos momentos de desânimo e reestabelecimento das forças para continuar seguindo.
Este espaço, será dedicado à socialização de experiências relacionadas à educação popular em saúde, aos debates necessários, atuais e contemporâneos que giram em torno da ética das relações, alteridade e diversidade, no qual haverá rodas de conversa sobre políticas afirmativas em saúde, raça/etnia e gênero, movimentos sociais e controle social no SUS.
A comissão organizadora do evento conta com enfermeiros/as e estudantes de grande parte dos serviços de saúde e cursos de graduação em enfermagem de Alagoas, aos quais me dirijo agora para antecipar publicamente o meu agradecimento, ao tempo em que peço que se levantem para serem reconhecidos onde estiverem. Podem contar com cada um de nós durante esta estadia de vocês aqui conosco, estaremos sempre de braços abertos!
Para finalizar, gostaria de citar um trecho de uma música que me inspira muito, bastante representativa e pertinente para o momento, do compositor e cantor Jorge Aragão – chama-se IDENTIDADE:

Quem cede a vez não quer vitória
somos herança da memória
temos a cor da noite
filhos de todo açoite
fato real de nossa história.
Se o preto de alma branca pra você
é o exemplo da dignidade
não nos ajuda, só nos faz sofrer
nem resgata nossa identidade.

Então enfermagem, avante! Vamos à luta, pois ela é grande e necessária. Nunca foi fácil, a história fala por si só. A nossa força, resistência, coragem e capacidade de organização é que precisam ser maiores, por nós, pelo SUS e por todos.

Obrigada e tenham um excelente congresso!
Danielly Santos dos Anjos Cardoso
Vice-Presidente da ABEn Alagoas





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