Imprimir Resumo


SENADEn - ISSN: 2316-3216 || SINADEn - ISSN: 2318-6518 • ISSN: 2318-6518
Resumo: 6391018

E-Pôster


6391018

RITUAIS DE CUIDADO NA PREPARAÇÃO DA FAMÍLIA PARA O PARTO DOMICILIAR

Autores:
Luiza Cremonese ; Lisie Alende Prates ; Gabriela Oliveira ; Laís Antunes Wilhelm

Resumo:
**Introdução:** no passado, o processo de parturição ocorria no ambiente domiciliar, como um evento ritualístico de transição para mulheres e suas famílias. A partir da implantação das maternidades, os partos passaram a ser vivenciados, gradativamente, nas instituições hospitalares, como um ato médico mecanizado. Assim, inúmeras práticas intervencionistas e desnecessárias passaram a ser introduzidas, levando à desumanização da assistência e em situações de violência obstétrica. Atualmente, esforços têm sido empregados para mudança do modelo obstétrico vigente. Dentre as quais, destaca-se um movimento de resgate ao parto como evento fisiológico e familiar, experenciado no contexto domiciliar. Para isso, as famílias têm desenvolvido rituais de cuidado na preparação para essa vivência. Os rituais representam atos ou cerimônias que têm como propósito auxiliar o indivíduo a transpor uma situação determinada. Eles representam de forma padronizada e simbólica o apreço que determinados eventos possuem para os indivíduos, sendo que a importância atribuída a estes eventos está relacionada com os valores culturais de cada sociedade, os quais são construídos e reconstruídos nas interações sociais. **Objetivo:** conhecer os rituais de cuidado desenvolvidos por famílias na preparação para o parto domiciliar. **Descrição metodológica: **pesquisa etnográfica, desenvolvida com três famílias, durante o processo gestacional. Contou com a participação de onze informantes, dos quais seis eram informantes-chave e cinco informantes gerais. Os critérios de inclusão envolveram as famílias de gestantes que participam do grupo de gestantes. Não foram empregados critérios de exclusão para seleção dos informantes. Foi realizada em uma cidade de médio porte do interior do Estado do Rio Grande do Sul, durante o ano de 2016. Foi adotado o modelo de Observação-Participação-Reflexão. Como técnicas de produção dos dados, utilizou-se a observação participante e a entrevista. O diário de campo foi utilizado para registro dos dados. Adotou-se a análise de dados da etnoenfermagem. Todos os aspectos éticos das pesquisas com seres humanos foram respeitados, segundo a Resolução nº 466/2012. A produção dos dados teve início após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, sob o CAAE 53928116.6.0000.5346. **Resultados: **o processo analítico resultou na identificação de quatro padrões culturais: “Eu sempre quis ter um parto normal”: a decisão pela via de parto; “Um sonho dela vai ser um sonho meu também”: nuances da família na vivência do parto domiciliar; “Tudo é planejado, todo o material que precisa”: os rituais de preparação do domicílio para o parto; e “O pensamento é sempre positivo”: rituais de cuidado na preparação da gestante para o parto domiciliar. O primeiro padrão está voltado para a decisão pela via de parto e, sobretudo, pelo parto domiciliar assistido por enfermeiras obstetras. A preparação para o parto domiciliar iniciou com a decisão pela via de parto, a qual foi orientada pelas experiências pessoais anteriores, pelos relatos e vivências familiares e pelos saberes compartilhados ao longo das trajetórias de vida, conforme pode ser verificado na fala: “_Eu sempre quis ter um parto normal [...] quando o [primeiro filho] nasceu, ele [o companheiro] falou: “o próximo vai nascer em casa_” (IC3). Diante dessa decisão, os informantes precisavam contar com o apoio da família para concretização dessa vivência. Assim, o segundo padrão cultural envolveu o apoio da família em relação ao parto domiciliar, sendo que o apoio do companheiro apareceu como um aspecto importante, o que pode ser confirmado com a fala: _“Ela sempre quis o parto normal, era uma vontade dela [...] um sonho dela vai ser um sonho meu também”_ (IC4). Ainda, desvelaram-se os rituais de preparação do filho mais velho para a vivência do parto no domicílio, pois, entre as famílias multíparas, havia a preocupação com a reação do filho. A preparação do filho foi registrada no diário de campo, conforme segue: _“Ao longo da gravidez, os informantes-chave 1 e 4 têm conversado com o filho sobre o parto, principalmente sobre o parto domiciliar. Eles comentam sobre os vídeos e relatos de parto, detalhando como este processo ocorre_” (Diário de campo. IC1). Além destas experiências positivas, os informantes também vivenciaram alguns enfrentamentos, pois alguns indivíduos da sua rede de apoio tinham a ideia de que a opção pelo parto domiciliar pelas famílias estava atrelada à falta de informação, rebeldia ou modismo, conforme exemplifica a fala: _“Digo que vou tentar domiciliar e as pessoas já imaginam uma tesoura, uma vela e toalhas”_ (IC2). Observou-se que as famílias optaram pelo parto domiciliar assistido, pois conheciam, analisavam e questionavam o modelo de assistência obstétrica brasileiro em todos os seus aspectos, procedimentos e rotinas. Com isso, passaram a se preparar para esta vivência no domicílio, conforme retrata o terceiro padrão cultural, e pode ser constatado na fala: _“Tudo é planejado, todo o material que precisa [...] a gente não sabe o que vai querer na hora”_ (IC1). Nessa direção, foram identificados rituais de cuidado da gestante e/ou da família, socializados entre os informantes e disponibilizados nos planos de parto confeccionados pelas famílias. Entre os rituais, observou-se o preparo dos materiais utilizados durante a assistência ao parto; a aquisição de óleo de lavanda; a baixa luminosidade; a musicoterapia; a limpeza do domicílio; a alimentação da mulher e da família no dia do parto e nos dias subsequentes; a escolha pelos indivíduos que poderiam participar da vivência do parto; e a decisão quanto ao destino da placenta, após a sua expulsão. O quarto padrão cultural representa os preparativos do corpo e da mente para a vivência do parto domiciliar. Em se tratando do corpo, os rituais incluíram a realização de caminhadas, o uso de equipamentos na preparação da musculatura vaginal e do períneo para o parto e a ingestão de chás ou alimentos no estímulo das contrações uterinas. Uma das informantes mencionou esse preparo:_ “Estou comendo as comidas, que ajudam a estimular as contrações. Não tem nenhuma comprovação, mas estou comendo abacaxi, canela, coisa apimentada”_ (IC2). Com relação à mente, os rituais envolveram os pensamentos positivos, sonhos e previsões quanto ao nascimento, conforme menciona a informante: _“A vó me falou que a lua que engravidou era a lua do nascimento [...] estava olhando pela data da última menstruação, foi na lua nova, e a lua nova é agora dia 10” _(IC2). **Conclusão:** entende-se que, independente da modalidade de atendimento e/ou via escolhida, é preciso ultrapassar a concepção do parto apenas enquanto evento biológico, considerando também os aspectos sociais, emocionais, subjetivos, familiares e culturais que envolvem esse processo. Na formação profissional em Enfermagem, pondera-se que é um desafio constante buscar a compreensão das crenças, costumes, valores e rituais de cuidado dos indivíduos, pois o enfermeiro e os demais profissionais de saúde estão imersos em uma cultura profissional e pessoal, da qual eles têm dificuldade de se distanciar para evitar atitudes etnocêntricas. Portanto, é preciso que o profissional de saúde coloque em suspensão seus valores e concepções culturais, por alguns momentos, para que possa ver a mulher e sua família no seu mundo de vida, entendendo seus rituais de cuidado. O cuidado vai além dos procedimentos técnicos, pois a compreensão do modo de viver do outro também fornece subsídios para a tomada de decisão. Com estes achados, pretende-se fornecer, aos profissionais de saúde, a possibilidade de conhecer e refletir sobre os rituais de cuidado, a fim de promover um cuidado culturalmente congruente.


Referências:
1. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 03 de 07 de novembro de 2001: Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem [acesso em 12 fev 2018] Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf 2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: 2007 [acesso em 12 fev 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2007/prt1996_20_08_2007.html 3. Organização Mundial da Saúde - OMS. Guia para a Documentação e Partilha das Melhores Práticas em Programas de Saúde. OMS - Escritório Regional Africano Brazzaville; 2008 [acesso em 12 fev 2018]. Disponível em: http://afrolib.afro.who.int/documents/2009/pt/GuiaMelhoresPratica.pdf 4. Cabral ALLV, Hemáez AM, Andrade EIG, Cherchiglia ML. Itinerários terapêuticos: o estado da arte da produção científica no Brasil. Ciênc. saúde coletiva [Internet]. 2011 Novembro [acesso em 12 fev 2018] ; 16(11): 4433-4442. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n11/a16v16n11.pdf 5. Cecílio, LCO. Apontamentos teórico-conceituais sobre processos avaliativos considerando as múltiplas dimensões da gestão do cuidado em saúde. Interface (Botucatu) [Internet]. 2011 Junho [acesso em 12 fev 2018]; 15( 37 ): 589-599. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v15n37/a21v15n37.pdf