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4848960 | Saberes científicos e populares de enfermeiros e usuários na visita domiciliar da Estratégia Saúde da Família | Autores: Luciana Valadão Alves Kebian ; Sonia Acioli |
Resumo: Introdução: o modelo médico-hegemônico, que institui grande parte das práticas
de saúde, prioriza o saber científico em detrimento do popular. Isto faz com
que os profissionais de saúde desconsiderem, por vezes, os conhecimentos
advindos dos usuários e defendam a necessidade de desmistificar saberes
diferentes ao científico. Quando tal posicionamento ocorre na visita
domiciliar, o usuário sente-se intimidado a dialogar e expressar os saberes
populares. Contudo, é necessário desenvolver práticas que reconheçam as
experiências e os conhecimentos populares, ressaltando que os saberes não
devem ser hierarquizados, mas sim compartilhados (Santos, 2010). Objetivo:
analisar os saberes científicos e populares de enfermeiros e usuários na
visita domiciliar da Estratégia Saúde da Família. Descrição metodológica:
Estudo descritivo de abordagem qualitativa, que utilizou como referencial
teórico e metodológico a hermenêutica-dialética, a qual “busca apreender a
prática social empírica dos indivíduos em sociedade em seu movimento
contraditório” (Minayo, 2013, p. 347). A cidade do Rio de Janeiro é dividida
em cinco Áreas de Planejamento (AP), sendo que na área da saúde, as cinco AP
estão organizadas em subáreas, sendo cada uma gerenciada por uma Coordenadoria
de Área de Planejamento. Para eleger o cenário de estudo, foi utilizado o
critério de maior número de visitas domiciliares dos enfermeiros por subárea
de planejamento no ano de 2014, sendo selecionada a subárea de planejamento
5.2, localizada na zona oeste da cidade. A seguir, foram escolhidas as seis
Unidades Básicas de Saúde (UBS) dessa subárea de planejamento que obtiveram os
maiores índices de visita domiciliar de enfermeiros no mesmo ano. A coleta de
dados foi realizada em 2015, por meio de entrevistas semiestruturadas, com 25
enfermeiros e 18 usuários da Estratégia Saúde da Família da cidade do Rio de
Janeiro e 38 observações simples de visitas domiciliares realizadas por estes
enfermeiros. Para análise dos dados utilizou-se a técnica hermenêutica-
dialética. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), através do parecer n°
1.119.466 e também foi aprovada pelo CEP da Prefeitura do Rio de Janeiro,
mediante parecer n° 1.155.379. Além disso, a pesquisa segue as determinações
do Conselho Nacional de Saúde, por meio da Resolução nº 466/2012. Resultados:
os enfermeiros utilizam saber científico na visita domiciliar, inclusive
referem que usam saber científico em todas as práticas que desenvolvem na ESF.
Eles consideram que as práticas relacionadas a procedimentos de enfermagem,
avaliação do estado de saúde do usuário, definição de condutas e educação em
saúde utilizam saber científico. Foi possível constatar que parte dos
enfermeiros identificam nos usuários a utilização de saberes científicos nas
questões que envolvem saúde. Embora, por vezes, os enfermeiros aleguem que a
técnica ou o conhecimento não seja totalmente de acordo com o previsto pela
ciência, os usuários buscam aproximação com o saber científico. Identificou-se
que o saber científico é preponderante sobre o popular na visita domiciliar do
enfermeiro. O predomínio da ciência sobre o senso comum é decorrente de uma
construção histórica, na qual houve a busca por definir a ciência como o
conhecimento mais fidedigno em função dos meios de verificação e comprovação
que ela utiliza (SANTOS, 1995). A partir disto, constata-se que, dificilmente,
iria-se encontrar, neste estudo, o predomínio, por parte dos enfermeiros, de
outra forma de saber que não fosse o científico, pois estaria de encontro ao
que é reconhecido como verdade. O saber científico, apresentado pelo usuário,
que por ora parece incompleto, é, na verdade, o seu autoconhecimento
científico e social (SANTOS, 2010). Assim como o pesquisador utiliza,
inevitavelmente, em suas avaliações, a bagagem da experiência de vida, o
usuário possui um saber popular mediado pela ciência, num movimento de
circularidade de saberes. A investigação permitiu constatar que alguns
enfermeiros não utilizam saberes populares durante a visita domiciliar. Em
contrapartida, houve relatos de enfermeiros que afirmam utilizar o saber
popular nas práticas de saúde realizadas na visita domiciliar. A orientação ao
uso de fitoterápicos e de plantas medicinais por meio de chás foi o saber
popular mais citado pelos enfermeiros. Da mesma forma, o uso de plantas
medicinais através do chá foi a prática popular mais citada pelos usuários.
Entretanto, os fitoterápicos e as plantas medicinais são saberes populares
adotados tanto por enfermeiros quanto por usuários na prática da visita
domiciliar. Defende-se que o caráter científico dado aos fitoterápicos e às
plantas medicinais nos últimos anos estimularam o uso deste saber popular
pelos profissionais de saúde. A Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares ampliou as opções terapêuticas dos usuários no SUS através da
inclusão da homeopatia, das plantas medicinais e fitoterapia, da medicina
tradicional chinesa/acupuntura, da medicina antroposófica e do termalismo
social – crenoterapia (BRASIL, 2015). Em relação às plantas medicinais e aos
fitoterápicos, a criação destas políticas e a inserção de fitoterápicos na
Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) institucionalizaram
práticas populares ao SUS e lhes deram caráter científico, promovendo a sua
utilização pelos enfermeiros da atenção básica. Para a população em geral, o
uso das plantas medicinais resiste graças a sua antiga tradição, enquanto para
os profissionais de saúde, ocorre em função das políticas recentes de
incentivo ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos. A maioria dos
enfermeiros não consideram o saber popular como um modo válido de cuidado à
saúde e, por isso, não articulam esse saber com o científico na visita
domiciliar. A dificuldade em articular os saberes científicos e populares está
atrelada ao fato da pluralidade de conhecimentos não ser discutida durante a
formação dos enfermeiros, resultando na inserção de profissionais na ESF que
desconhecem o saber popular. Assim como os processos de educação permanente e
educação em saúde para a população pouco abordam a existência de saberes
diversos, consequentemente, os enfermeiros e usuários não refletem sobre a
articulação desses saberes. Contudo, a pesquisa revela algumas experiências
exitosas de articulação desses saberes. Conclusão: a visita domiciliar do
enfermeiro ainda possui o desafio de concretizar os canais de diálogo através
de relações horizontais que promovam o reconhecimento e a articulação de
saberes. Destaca-se que os saberes científicos e populares não são mutuamente
exclusivos; pelo contrário, eles estão em um processo continuum, no qual um
saber complementa o outro. De acordo com a situação e as relações colocadas, o
saber pode se aproximar mais do polo científico ou do polo popularmente
construído; contudo, a circularidade sempre estará presente.
Contribuições/implicações para a Enfermagem: As experiências de articulação de
saberes mostram que é possível um posicionamento diferente do enfermeiro na
visita domiciliar, que reconhece a incompletude do saber científico e articula
variadas formas de saber em busca de respostas individualizadas e resolutivas.
Sendo assim, esta pesquisa contribui para que os profissionais de enfermagem
identifiquem a possibilidade e relevância da articulação dos saberes na
visita domiciliar.
Referências: 1- Brasil. Marco Legal para a Primeira Infância. Lei nº 13.257, de 08 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei nº 12.662, de 5 de junho de 2012. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm
2- Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Resolução COFEN- 358/2009. Dispõe sobre a Sistematização da assistência de Enfermagem e a implementação do Processo de enfermagem em ambientes públicos ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem, e dá outras providências. Brasília; 2009 [citado 2009dez 14 ]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3582009_4384.html
3 - Souza JM, Cruz DALM, Veríssimo MLOR. Child development: New diagnosis for the NANDA Internacional. Internacional Journal of Nursing Knowledge. 2016. Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/2047-3095.12167/full
4- Souza JM, Cruz DALM, Veríssimo MLOR. Análise do conteúdo de diagnósticos de enfermagem sobre desenvolvimento infantil. Revista Eletrônica de Enfermagem, 2018. No prelo
5 - Brasil. Ministério da Saúde. Caderneta de Saúde da Criança, Brasília. 2013. |