Comunicação coordenada
77 | A CULTURA DE PAZ E A UTOPIA NO PENSAMENTO DE FREIRE: CONTRIBUIÇÕES PARA A SAÚDE | Autores: Marta Lenise do Prado (UFSC) ; Claudio Claudino da Silva Filho (UFSC/UFFS) ; Silvana Silveira Kempfer (UFSC) |
Resumo: INTRODUÇÃO: O pensamento de Paulo Freire tem influenciado a educação e formação em saúde, contribuindo para ressignificação do ensino pelo pensamento crítico e reflexivo. Os ensinamentos freireanos podem favorecer a compreensão de conhecimentos dentro e fora da área de saúde, como a prevenção de violências e do estímulo à cultura de paz. "Cultura de Paz é paz em ação; é o respeito aos direitos humanos no dia-a-dia; é um poder gerado por um triângulo interativo de paz, desenvolvimento e democracia. Enquanto cultura de vida trata de tornar diferentes indivíduos capazes de viverem juntos, de criarem um novo sentido de compartilhar, ouvir e zelar uns pelos outros, e de assumir responsabilidades por sua participação numa sociedade democrática que luta contra a pobreza e a exclusão; ao mesmo tempo em que garante igualdade política, equidade social e diversidade cultural". 1Dentre as temáticas consideradas prioritárias para saúde coletiva, a violência é uma importante questão a ser pensada por diversos olhares, inclusive a partir do pensamento freireano. Ao afirmar que "educação não transforma o mundo, educação muda pessoas, pessoas transformam o mundo", Freire argumentava mesmo em uma época de ditadura e forte repressão de ideais libertários e construtivistas, um modo de conceber a educação como caminho para mudança de rumos, não só nas salas de aula, mas (e principalmente) nas relações cotidianas. Ele vislumbrou em tempos difíceis para liberdade de expressão, que a educação poderia servir para combater a violência vigente.2 OBJETIVO: Refletir acerca das violências na sociedade contemporânea e sua interface com a atuação dos profissionais de saúde como agentes para uma cultura de paz. METODOLOGIA: Estudo reflexivo que revisita Freire como marco teórico-conceitual. RESULTADOS: Emergem do estudo duas temáticas: (a) As ideias de Freire subsidiando a prevenção e enfrentamento de violência no setor saúde: instrumentalização ou conscientização?. A partir da perspectiva dialógica de Freire, pode-se pensar a violência como fenômeno sócio-histórico-cultural, enraizado em todas as civilizações e capilarizado socialmente em relações de opressor-oprimido. Ou seja, nos faz pensar: existem mesmo tantos crescentes "tipos diferentes" de violências? Quais são piores ou melhores? A violência é necessária para evolução da humanidade? Existe possibilidade real de a violência acabar? A noção de paz é uma hipocrisia fabricada para nos iludir? Estas questões acima, produzidas a partir da noção Freireana de relação entre opressor-oprimido parecem ser uma excelente contribuição para o campo da violência, pois coloca em cheque o que (achamos que) "sabemos" sobre as situações de violência. Entretanto, qual o limite entre a instrumentalização simplista (no sentido mecânico-biologicista, que historicamente pautou a formação e atuação dos profissionais de saúde) a qual reduz a violência a mais uma "patologia" com prescrições milagrosas para sua resolução; ou a conscientização epistemológica que sensibiliza profissionais para entenderem a violência do "outro" como "meu" problema também? O pensamento de Freire pode ser utilizado para dar significado ao enfrentamento de violências; como uma estratégia para conscientização epistemológica de sujeitos envolvidos nesse processo, tanto profissionais de saúde, quanto pessoas em situação de violência, e não apenas como um instrumento de capacitação, como tem sido tratado pelos estudos e pelas políticas públicas.3 (b) Nas trilhas de uma utopia: os profissionais de saúde podem contribuir para uma cultura da paz? A utopia é essencialmente social. Pode-se admitir somente a ação do indivíduo ou sua concepção utópica na medida em que esta vai ao encontro de uma luta ou conduta de um grupo, que supõe a devida incongruência com a ordem social existente e tem perspectivas de nova ordem. As concepções utópicas só adquirem tal sentido se compreendidas e assimiladas à conduta de um grupo social, se perfiladas a uma estrutura social e que a um dado tempo se unam com a realidade. Para isso se faz necessário resgatar o conceito de esperança à partir da compreensão Freireana; esperança impregnada da preocupação de libertar o ser humano do discurso ideológico pragmático (presente nos agressores da violência, que seduzem suas vítimas a perpetuarem-se no ciclo da violência). Freire colabora na discussão sobre prevenção de violências ao propor uma esperança crítica, ao motivar uma ação revolucionária - utópica - argumentando pelo engajamento do ser humano na construção de sua própria história. É na superação da contradição vítima-agressor, via estabelecimento do diálogo, que os sujeitos de um processo violento conseguem realizar a práxis e refletirem sobre si mesmos dentro da realidade que os mediatiza. A consciência crítica (epistemológica) tem de ser capaz de instigar nos indivíduos que sofrem violência a noção de que não devem, após se perceberem como cerceados de direitos, tornarem-se agora agressores para compensar a violência que sempre os afligiu, perpetuando relações de violência. Ao mesmo tempo, espera-se que os profissionais de saúde também superem tal dicotomia, e, eticamente, sejam capazes de acolher os envolvidos em processos de violência. O que se advoga aqui, é que, superada a consciência ingênua da culpabilização ao agressor, os profissionais de saúde possam promover o desvelamento crítico dessa realidade, compreendendo as violências como fenômeno sócio-histórico-cultural. Nesse perspectiva, ao alcançar uma consciência epistemológica, ultrapassar o limite visível do fenômeno (as consequências visíveis da violência que chegam aos serviços de saúde) e desenvolver atitudes que contribuam a uma cultura da paz. Todos os princípios da cultura da paz podem ser incorporados na atitude dos profissionais como tecnologias para o cuidar/cuidado: Respeitar a vida; Rejeitar a violência Ser generoso; Ouvir para compreender; Preservar o planeta; e Redescobrir a solidariedade. Implícito em todos eles, o diálogo se apresenta como condição ímpar para concretização desta "utopia necessária" - a paz.1 CONCLUSÃO: Deve haver uma ressignificação das violências para compreendê-las com raízes comuns e que devem ser prevenidas. No mesmo instante que defendemos a paz ativa, diminuindo as vulnerabilidades dos sujeitos. A prevenção de violências na área de saúde, em sua compreensão à luz das ideias de Freire, aponta para a compreensão do fenômeno do ponto de vista relacional e de seu enfrentamento à luz de conceitos como relação opressor-oprimido, concepção bancária e problematizadora, dialogicidade, respeito aos saberes do outro, conscientização e autonomia, ideias Freireanas úteis para iniciarmos a construção de uma cultura de paz como uma utopia necessária e factível. Palavras-Chave: Violência; Promoção da Saúde; Ensino na saúde. Referência: 1. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz. Manifesto 2000 por uma cultura de paz e não-violência [on line]. [acesso 2015 Out 21]. Disponível em http://www.comitepaz.org.br/o_manifesto.htm. 2 Freire P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. 3 Cruz NM, Tavares VS, Gomes NP, Silva Filho CC, Magalhães JRF, Estrela FM. Meanings of the reports of violence against women: a descriptive study. Online braz j nurs [internet] 2015 Mar [cited year month day]; 14 (2):144-50. |