Roda de Conversa
605 | Franckeinsten e o ensino da bioética na enfermagem | Autores: Jeanine Porto Brondani (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) ; Eva Néri Rubin Pedro (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) |
Resumo: Introdução: A bioética é vista por muitos estudantes de enfermagem como uma disciplina difícil, que necessita de grande conhecimento para subsidiar a tomada de decisão. O ensino da pesquisa em enfermagem abrange não apenas os conhecimentos metodológicos, mas também as considerações éticas. Diversas metodologias de ensino-aprendizagem são utilizadas para que os estudantes tenham conhecimento dos conceitos básicos e possam aplicar nos seus trabalhos finais e cuidado, dentre elas, os livros de literatura. Objetivo: Discutir a obra Franckeinsten e a relação com o ensino da bioética na pesquisa em enfermagem. Descrição metodológica: Trata-se de uma reflexão sobre a obra do Franckeinsten e a relação com a bioética e o ensino da pesquisa em enfermagem. Resultados: A história do jovem "doutor Frankeinstein" narra a vida de um cientista que seduzido pela "necessidade de criar a vida" a partir da morte para avançar cientificamente e trazer benefícios para a humanidade, cria uma aberração, utilizando meios que desrespeita a vida. Sobre esses aspectos merecem destaque: a necessidade de criar a vida, os benefícios para as pessoas e o respeito/desrespeito pela própria vida. Gerar a vida para vencer a morte é desde a antiguidade, objeto de estudo e de poder para a humanidade. Por se tratarem de fenômenos naturais e extremamente complexos, a filosofia, a religião e a ciência se encarregaram de cada uma a seu modo, tentar explicá-los e relacionar com as diferentes responsabilidades que os causam1. Assim, muito conhecimento foi gerado e utilizado para diferentes objetivos. Fazer o bem para outras pessoas e para a sociedade é um deles e também uma virtude. Desenvolver virtudes são necessárias à excelência moral. Para isso, é preciso caminhar à educação moral, experenciando, vivendo todas as sensações de cada situação da vida2. A pesquisa tem na beneficência e na justiça a excelência moral necessária ao avanço de forma a respeitar o ser humano em toda a sua complexidade1. O respeito à vida é motivo e conseqüência do fazer o bem. Significa a valorização do outro e de si de forma a permitir que o natural seja manifestado e as escolhas sejam feitas sem prejuízos para ambos os lados. Aproxima-se do conceito de não maleficência - não causar danos a outro sem necessidade. É um dever prima facie a ser cumprido pelo pesquisador e/ou profissional que trabalha com seres humanos2. Sobre esses aspectos a obra literária narra uma história que desrespeita todos. O cientista rouba túmulos, sacrifica animais, tortura seres vivos em prol de um conhecimento egoísta e insano. Assim, sua própria saúde3 sucumbe, pois impõe-se a solidão, a privação de luz, de sono, de alimentação, daqueles que ama. Saber que não pode fazer e mesmo assim continuar é imprudência no sentido mais objetivo. Desrespeitar a necessidade humana de forma a não proteger e permitir que o desfecho seja ruim é caracterizado como negligência. Tais situações ficam claras no decorrer da narrativa na medida em que situações egoístas, obscuras e insanas vão acontecendo, até ele conseguir criar uma "forma" de vida e experimentar uma sensação de poder e angústia. Percebendo a dimensão de seu feito, não sabe como proceder. A criatura era tão feia e repugnante, que ele a rejeitou. O "monstro" percebendo, foge e o cientista é tomado pela culpa, arrependimento, e adoece. Há muitos pontos em comum no decorrer da história da ciência, como os "avanços" alcançados com prisioneiros de guerras ou escravos. Cobaias humanas eram utilizadas para testar procedimentos e medicamentos sem nenhum critério que desse a opção de escolha aos participantes, ou os protegesse. A bioética é recente na história da humanidade e se relaciona com tudo que diz respeito à vida e o viver. O necessário avanço científico só acontece quando a vida é protegida1. Entretanto, isso não ocorre na história. As estratégias utilizadas para alcançar seu objetivo passaram a atormentar o jovem. Os princípios morais ensinados na infância, o faziam sentir péssimo e cada vez mais solitário. Ao voltar para sua cidade e família, ocorrem crimes terríveis condenações injustas. Com medo, Frankeinsteim permanece calado. Novamente, a negligência se faz presente. A dor da sua família e a sua própria são conseqüências do seu ato egoísta. Tentando encontrar uma solução, vai a busca da criatura e fica surpreso com a quantidade de habilidades que o "monstro" adquiriu. Descobre que o sentimento de rejeição e abandono são as principais causas das ações cruéis que a criatura pratica. Argumentando inteligentemente, a criatura o chantagia. Neste trecho fica evidente o poder da ciência quando mal utilizada. Consequentemente, mais crimes acontecem, incluindo a morte do grande amor da sua vida. Tomado pelo ódio e desejo de vingança, Frankeinstem sai em busca do monstro para de destruí-lo. Percorre muitos lugares até as geleiras mais frias, quando quase perecendo, encontra um homem que, como ele, está disposto a ser um grande cientista e descobrir o que ninguém antes conseguiu. Frankeinstein percebe semelhança na determinação no capitão do navio e decide contar sua história, para que a ciência não seja utilizada novamente de forma desmedida. Nesta situação, fica evidente o cunho moral da história, expressa de forma a revelar a responsabilidade com a humanidade, com a vida e com a ciência. É uma lição de imprudência, imperícia e negligência a partir de um experimento mal sucedido. Com base no seu sofrimento e aprendizado Frankeinstein pede ao seu novo amigo que não repita o comportamento obsessivo pelo conhecimento a qualquer preço, e no leito de morte, implora a morte da criatura, para que outras pessoas não pereçam injustamente. A relação de confiança desta parte da narrativa é mais um dilema ético. O capitão do navio ao saber de toda situação e ter sido solicitado pelo Frankeinstein para "ajudá-lo" na destruição da criatura, torna-se parte do processo. Eticamente, o silêncio sobre informações que podem trazer prejuízos a qualquer ser vivo é uma infração. Felizmente, o desfecho desta história aconteceu de forma "natural", preservando novos personagens. A morte de criatura e criador por motivos diferentes demonstra a ligação íntima entre os dois, pois a criatura não fazia sentido sem o seu criador. Na pesquisa em saúde, pesquisador e participante criam laços íntimos, pois mesmo independentes, um não tem sentido sem o outro. Daí na necessidade de tantas discussões que envolvem a vida e o viver para que sejam preservadas as individualidades, os valores, se faça o bem, não se faça o mal, e ainda assim, avance cientificamente. As muitas estratégias para prever o que acontecerá em cada fase da pesquisa em saúde, bem como suas conseqüências é um compromisso ético/ metodológico e também cuidado com a vida e a morte4. Considerações Finais e contribuições à Enfermagem: A história em questão traz vários conceitos da bioética de forma exemplificada. Por isso, é muito pertinente ao ensino em saúde e enfermagem, pois oferece riqueza de situações que permitem discussões aprofundadas sobre cuidado, saúde, doença, vida e morte. Além disso, é capaz de permitir a identificação com alguns sentimentos do protagonista, o que pode ser muito útil no desenvolvimento de habilidades necessárias à pesquisa em enfermagem e na relação com e ensino da moral. Não basta apenas conhecer a Resolução 466/2012 e o Código de Ética da profissão, é preciso compreender cada artigo lá descritos para que possa ser aplicado ao exercício de fazer-pesquisar em enfermagem. |