Roda de Conversa
332 | O CUIDADO NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL: A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO EM ENFERMAGEM | Autores: Annette Souza Silva Martins da Costa (ESCOLA DE ENFERMAGEM - UFMG) ; Teresa Cristina da Silva Kurimoto (ESCOLA DE ENFERMAGEM - UFMG) |
Resumo: Introdução: A extensão universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é concebida como um processo de transformação social que dialoga e interage com segmentos da população no que se refere a questões que lhes são fundamentais. As atividades de extensão consolidam-se nas instituições de ensino como momento indispensável e oportuno para que o estudante possa vincular seu aprendizado teórico e prático ao fazer cotidiano. Nesse sentido, o Projeto Oficina de Cuidados busca uma formação em enfermagem que contempla esses aspectos relevantes, exatamente por propiciar aos estudantes e docentes condições necessárias de presença e permanência no cuidado a usuários com sofrimento psíquico, um cuidado não invasivo e que o considera em sua condição de cidadão. Objetivo: Discutir a formação em enfermagem a partir de um projeto de extensão universitária que articula, por meio de uma atividade assistencial, ações de ensino e pesquisa no cuidado a portadores de sofrimento psíquico em crise. Metodologia: Toma-se por referenciais teóricos a Reabilitação Psicossocial, em sua vertente de Orientação Clínica1, e a Clínica Ampliada2. O projeto de extensão Oficina de Cuidados, realizado por estudantes e docentes do curso de enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, é desenvolvido em dois serviços públicos constituintes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS3) do município de Belo Horizonte. As estratégias utilizadas são: oficina de cuidados e higiene/salão de beleza; oficinas de educação em saúde com temas de interesse dos usuários dos serviços e/ou de acordo com o calendário anual de eventos da saúde. Resultados: As oficinas e propostas terapêuticas do projeto figuram como estratégias privilegiadas nas quais se trabalham com os usuários as diversas dimensões do existir humano e da vida, a saber: cuidado de si, cuidado da saúde, construção de laços sociais. Dois trabalhos de conclusão de curso originaram-se do projeto, além de outras produções acadêmicas. Por meio do projeto, os alunos bolsistas vivenciam um processo de ensino-aprendizagem que lhes proporciona uma formação acerca do cuidado ao portador de sofrimento psíquico. Além disso, o projeto cumpre a função de integração permanente dos docentes com os serviços nos quais são desenvolvidas atividades de ensino clínico da disciplina de graduação Enfermagem Psiquiátrica. Todas as ações são fundamentadas no processo de reabilitação psicossocial do portador de sofrimento mental e a necessária articulação entre os diferentes dispositivos da RAPS que se fazem necessários em cada caso para a condução de projetos terapêuticos singulares. As reuniões de equipe no serviço e as discussões clínicas que ocorrem entre alunos e docentes ganham contornos significativos por constitui-se um lugar de reconstrução de cenas vividas no desenvolvimento das oficinas e elaboração de um saber originado pela experimentação. Essas cenas são construídas e reconstruídas na perspectiva de assegurar ao sujeito - que sofre - uma presença regular e atenta, deixando transparecer o nascimento de um sujeito inédito e invenção 4. Entretanto, subjacente à prática docente e discente no projeto Oficina de Cuidados há uma pergunta que nos inquieta: como vamos, de certa forma, manter essa presença atenta e considerar o que o usuário nos traz, e não pelo que se supõe saber dele? Nas primeiras aproximações dos alunos com os usuários que realizam as oficinas, são evidentes o estranhamento e a perplexidade, por parte dos alunos. Trata-se de um cenário que os leva a reconhecer o nascimento do "sujeito inédito", mas não é tarefa fácil desvincular-se de uma posição técnica de quem tudo sabe e de quem tudo deve saber, para deslocar-se em direção ao lugar do não-saber. Nesse caso, não há um saber a transmitir e nem "saber as coisas de antemão". Como fazer então para deixar transparecer "o sujeito inédito", se o trabalho da enfermagem se inscreve por meio da norma, da prescrição e da ordem? Nesse sentido, consideramos que é tempo de dar visibilidade ao sujeito da loucura, situá-lo como sujeito no mundo, inventando novas maneiras de cuidado e atenção. É possível que, para a enfermagem, esse movimento seja difícil. Às vezes, parece ser mais confortável e seguro realizar as tarefas convencionais, próprias da enfermagem. Há que se examinar, portanto, esse cotidiano de trabalho em que se produz saber. É nesse espaço que os estudantes estão inseridos: espaço de trabalho coletivo, construído cotidianamente diante de situações, às vezes inusitadas, trazidas pelos usuários dos serviços em que é desenvolvido o projeto Oficina de Cuidados. Conclusões/ Contribuições para a enfermagem: O cuidado em saúde mental requer um trabalho menos parcelado, mais discutido entre os membros da equipe para que se possam instaurar novas práticas de cuidado que reconheçam a possibilidade de nascimento do "sujeito inédito". Isso significa que a formação profissional deve voltar-se a essa possibilidade de construção a cada instante. Revela-se um cuidado que necessita de múltiplos recursos e estratégias, incorporando ao fazer a escuta e a palavra como instrumentos. A construção de um corpo de conhecimentos na enfermagem deve se situar também no âmbito político, e nesse sentido, insere-se a formação no espaço da extensão universitária. Configura-se, dessa forma, um espaço privilegiado de formação, um espaço interdisciplinar que, como se sabe, não basta apenas reunir especialistas, mas requer uma interlocução constante, cotidiana para dar conta da complexidade do fenômeno psíquico e suas implicações na vida das pessoas com algum tipo de sofrimento. A direção é para uma formação ampla, de clínica, do lugar do não-saber, e de contextualização histórica e política do saber/fazer na enfermagem. Descritores: Enfermagem; saúde mental; relações comunidade-instituição Eixo 2 - A formação em Enfermagem: da política à prática profissional Área temática - Metodologias ativas no Ensino de Enfermagem Referências 1- Guerra AMC. Reabilitação psicossocial no campo da reforma psiquiátrica: uma reflexão sobre o controverso conceito e seus possíveis paradigmas. Revista Latino Americana de Psicopatologia Fundamental. 2004 [Acesso em: 28 de Maio de 2016]; 07(2): 85-101. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982001000100006 2- Campos GWS, Amaral MA. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Revista Ciência e Saúde Coletiva. 2007 [Acesso em: 14 Jun 2016]; 12( 4 ): 849-859. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232007000400007&lng=en 3- Brasil. Ministério da Saúde. PORTARIA Nº 3.088, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html 4- Viganò C. Trabalho em equipe na rede: A enfermeira e a instituição parceira. Clinicaps - impasses da Clínica. 2002 [Acesso em: 01 de março de 2016]; 3 (1): 1-22. Disponível em: http://www.clinicaps.com.br/clinicaps_revista_03_art_01.html 5- Almeida ANS, Feitosa RMM, Boesmans EF, Silveira LC. Cuidado clínico de enfermagem em saúde mental: reflexões sobre a prática do enfermeiro. Revista Cuidado é fundamental Online. 2014 [Acesso em: 15 de março de 2016] ; 6(1). Disponível em: http://www.index-f.com/pesquisa/2014/r6-213.php |