Roda de Conversa
391 | O ENSINO EM SERVIÇO DA PRECEPTORIA DA RESIDÊNCIA EM ENFERMAGEM OBSTÉTRICA NOS CENÁRIOS DA PRÁTICA HOSPITALAR | Autores: Mariana Santana Schroeter (Enfermeira, mestranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) ; Gabrielle Parrilha Vieira Lima (Enfermeira Obstétrica. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) ; Adriana Lenho de Figueiredo Pereira (Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Atualmente é professora adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Curso de Especialização em Enfermag) |
Resumo: Introdução: O ensino de enfermeiras obstétricas busca valorizar a experiência feminina, a participação ativa da mulher e a redução das intervenções desnecessárias no trabalho de parto e parto. A assistência destas profissionais também apresentam bons resultados, em nível nacional e internacional1. Em virtude disto, há incentivos governamentais para a qualificação de enfermeiras obstétricas. Desde 2004, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) constituiu parceria com Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) para qualificar estas profissionais na modalidade de residência. Em 2012, criou-se o Programa Nacional de Residência em Enfermagem Obstétrica (PRONAENF) para todo o país2. No campo da educação, Paulo Freire3-4 considera que o ensino deve promover a reflexão crítica sobre o vivido e a compreensão sobre mundo para a transformação da realidade a partir de uma ação consciente. O ensino deve capacitar enfermeiras obstétricas com competências técnico-profissionais e conscientes do contexto sanitário, sócio-político, organizacional, econômico e do trabalho em saúde da mulher e da própria profissão, para que possam participar ativamente na mudança do modelo hegemônico e implementar as práticas humanizadas voltadas para as necessidades da mulher. Objetivos: Analisar o ensino em serviço da preceptoria da residência em enfermagem obstétrica nos cenários da prática hospitalar. Metodologia: Pesquisa de abordagem qualitativa e do tipo descritiva. Os cenários foram quatro maternidades públicas do município do Rio de Janeiro, que sediam o ensino em serviço de residentes de enfermagem obstétrica. Foram entrevistadas dezesseis enfermeiras obstétricas que atuam na preceptoria, tanto as denominadas de supervisoras, que são as formalmente designadas pela SMS, quanto às enfermeiras plantonistas das maternidades. As entrevistas foram analisadas pela hermenêutica dialética. A pesquisa foi aprovada pelo CEP da SMS-RJ, parecer nº 70A/2013. Resultados: 1) O ensino em serviço da preceptoria ocorre segundo a rotina assistencial e apresenta contradições entre a teoria e a prática: a rotina assistencial do setor onde a residente está escalada é o principal norteador da organização do ensino em serviço e não um planejamento prévio do que se espera que a residente aprenda em cada cenário da assistência. Apesar da preocupação com a rotina assistencial, as preceptoras também buscam atender as demandas de aprendizagem por meio da verificação prévia do que a residente sabe. As preceptoras plantonistas recebem as residentes conforme a escala de rodízio elaborada pela preceptora supervisora e afirmam que não têm plena clareza dos objetivos programados para o ensino em serviço, o que revela as fragilidades na interação e na dialogicidade entre os atores que efetivam o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da residência. Por outro lado, essas preceptoras consideram que há distanciamento entre a instituição acadêmica e o serviço, visto que apenas a preceptoras supervisoras participam das reuniões periódicas com a coordenação docente. Este distanciamento faz com que as plantonistas realizem o ensino em serviço conforme o seu entendimento do que e como deve ser ensinado às residentes. Portanto, há o antidiálogo na própria organização do ensino em serviço, que se estabelece por meio de uma relação hierarquizada entre os atores da formação. A gestão acadêmica é aquela que pensa e elabora o programa de ensino; a preceptora supervisora faz a organização e coordenação das atividades práticas das residentes no hospital; e a preceptora plantonistas operacionalizam o ensino propriamente dito. 2) O papel da preceptora no ensino em serviço: ênfase nas práticas humanizadas, mas limitado pela organização do ensino e do trabalho da enfermeira obstétrica no hospital: as preceptoras incentivam o modelo humanizado e valorizam a integração dos conteúdos teóricos com a realidade do trabalho da enfermagem obstétrica. A formação de profissionais com a prática humanizada pode ser considerada como potencializadora da mudança do modelo assistencial. Apesar desses fatores favoráveis e a intenção de formar as enfermeiras com atitudes para tal modelo, sua efetivação é prejudicada por fatores relacionados à organização do ensino e institucional, como as limitações na comunicação entre universidade e o serviço, fazendo com que a relação seja hierarquizada e não baseada na cooperação de fato, o que impede a adequada troca de conhecimento e prejudica a viabilidade de um planejamento coletivo e estratégico para o avanço da prática assistencial humanizada, bem como a efetivação de um ensino libertador. A infraestrutura e organização institucional fazem com que enfermeiras obstétricas estejam sujeitas às condições de trabalho desafiadoras e limitantes, tais como, a luta frente ao modelo biomédico e medicalizado ainda dominante nos hospitais e a redução de recursos humanos de enfermagem, realidade vivenciada nas instituições pesquisadas, o que acarreta o acúmulo de funções, pois, além de atuarem na preceptoria, essas enfermeiras assumem diversas atribuições nas atividades hospitalares. Muitas vezes, elas se desdobram entre assistência geral, assistência obstétrica propriamente dita, liderança da equipe de técnicos de enfermagem e organização do setor. Tal conjuntura estimula o fazer em detrimento do pensar. Nessa perspectiva, torna-se necessária a compreensão de que a qualidade do processo educativo envolve tanto a qualidade formal quanto a qualidade política. O estabelecimento da consciência crítica, fundamentado na dialogicidade, favorece a problematização, o que determina a viabilidade de uma postura reflexiva e não reprodutiva - elementos fundamentais para o processo formativo de profissionais conscientes e práxicos, capazes de serem agentes de mudança5. Algumas preceptoras afirmaram que estimulam as residentes a tomarem atitude frente aos conflitos profissionais e se posicionarem nos embates que ocorrem no cotidiano da profissão. Apesar disso, o estímulo do pensamento crítico nas residentes não foi explicitamente mencionado como um dos objetivos do ensino em serviço da preceptoria. Percebe-se que as preceptoras ainda permanecem no âmbito da consciência transitiva ingênua, o que as afasta da ação-reflexão, revelando a tendência adaptativa às situações adversas ao invés de serem destacadas também as atitudes de enfrentamento. Conclusão: O ensino em serviço ainda privilegia as demandas institucionais e coloca em destaque as competências e habilidades técnicas em detrimento das atitudes ético-políticas. Apesar dessa fragilidade pedagógica, destaca-se o papel fundamental que elas exercem no processo de ensino-aprendizagem no âmbito da prática assistencial. A prática pedagógica das enfermeiras obstétricas em serviço deve ser valorizada e qualificada para que tenham acesso aos referenciais da educação crítica que as conduzam à práxis educativa transformadora e, portanto, dialógica. A universidade deve viabilizar esse encontro, estabelecer a troca solidária de conhecimentos e potencializar os saberes educativos da preceptoria, alinhados com esse paradigma educacional. Referências: 1. Progianti JM; Mouta RJO. A enfermeira obstétrica: agente estratégico na implantação de práticas do modelo humanizado em maternidades. Rev. enferm. UERJ. 2009;17(2):165-9 2. Brasil (BR). Ministério da Saúde e Ministério da Educação. Edital nº 21, de 5 de setembro de 2012. Processo seletivo destinado à oferta de bolsas para o Programa Nacional de Residência em Enfermagem Obstétrica (PRONAENF). Diário Oficial da União, Brasília (DF); 6 set. 2012: Seção 1:136-7. 3. Freire P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 49ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. 4. Freire P. Educação como prática da liberdade. 34ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. 5. Correia W, Carvalho I. Práxis educativa: tempo, pensamento e sociedade. Rev. Port. Educação. 2012; 25(2): 63-87. Descritores: Educação em enfermagem; Enfermagem obstétrica; Preceptoria. |