Comunicação coordenada
390 | ABORDAGEM DO TEMA ABORTAMENTO NA GRADUAÇÃO DE ENFERMAGEM | Autores: Mariana Santana Schroeter (Enfermeira, mestranda do PPGENF UERJ.) ; Adriana Lenho de Figueiredo Pereira (Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Atualmente é professora adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Curso de Especialização em Enfermag) |
Resumo: Introdução: A graduação em Enfermagem é baseada nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Enfermagem estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC), por meio da Resolução CNE/CES nº 3 de 7 de novembro de 2001. Neste documento o Enfermeiro deve ter uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. E o profissional deve estar apto para exercer a Enfermagem baseada na ciência e pautada pelos princípios éticos. A Enfermeira deve ser capaz de conhecer e intervir sobre os problemas e situações de saúde-doença de acordo com o perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões biopsicossociais e dos seus determinantes1. Esta profissional deve estar capacitada para atuar com senso de responsabilidade social, ter compromisso com a cidadania, promover a saúde integral do ser humano e compreender a política de saúde no contexto das políticas sociais1. Apesar de estas Diretrizes Curriculares recomendarem a formação de um profissional crítico e reflexivo, ainda há tendência das instituições formadoras trabalharem a temática do aborto na perspectiva biologicista, o que denota a necessidade do ensino avançar na perspectiva humanista do cuidado da mulher em situação de abortamento2. Portanto, cabe às escolas de enfermagem assegurar a plena informação livre de tendências com relação à questão do aborto e dos direitos reprodutivos, e investir na formação de profissionais de saúde capazes de refletir criticamente sobre sua prática e, assim, atuarem na mudança da visão biomédica3. Ao abordar essa temática, o docente deve considerar a mulher como cidadã e que ela está inserida numa sociedade patriarcal, o que requer habilidades pedagógicas para conduzir a discussão deste tema. A discussão da problemática do abortamento, a partir dos direitos sexuais e reprodutivos, do gênero, das relações do patriarcado, pode contribuir para a ruptura dessas estruturas de poder sobre as mulheres4. Faz-se necessário, portanto, enfocar o ensino do tema abortamento sem atrelar as questões morais e religiosas, limitantes da autonomia feminina em nossa sociedade. Frente ao exposto, delimitou-se a questão norteadora: Como o tema do abortamento foi abordado no curso de graduação em enfermagem, segundo as enfermeiras recém-graduadas? A partir desta questão, tem-se como Objetivo: Identificar como o tema abortamento foi abordado na graduação de enfermagem segundo as enfermeiras recém-graduadas. Metodologia: Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa. Os participantes da pesquisa foram enfermeiras residentes, que concluíram o curso de graduação no ano de 2015 ou 2016, que estão cursando o primeiro ano do programa de residência, independentemente da especialidade. O cenário da pesquisa foi a Faculdade de enfermagem da Universidade do estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde são realizadas as aulas teóricas de quatorze programas de residência. Foram realizadas vinte e seis entrevistas individuais com apoio de roteiro semiestruturado. Estas entrevistas foram transcritas e analisadas através da análise temática, que envolve as fases da pré-análise, da exploração do material e do tratamento dos resultados5. A pesquisa respeitou os procedimentos éticos e obteve aprovação do COEP da UERJ, nº 1.533.584. As categorias temáticas que emergiram desta análise foram: 1) O ensino do abortamento descontextualizado dos direitos sexuais e reprodutivos; e 2) O debate centrado no juízo de valor sobre o aborto: favorável versus desfavorável. Resultados: As participantes são predominantemente mulheres, e apenas dois do sexo masculino. Vinte enfermeiras residentes concluíram a graduação em enfermagem em 2015, sendo seis no ano de 2016. Sete participantes são egressas de universidades privadas e dezenove de universidades públicas. Estas enfermeiras estavam cursando o primeiro ano dos seguintes programas de residência: enfermagem obstétrica (oito); saúde da família (seis); terapia intensiva (três); pediatria (duas); neonatologia (duas); clínica cirúrgica (duas); psiquiatria e saúde mental (uma); cirurgia cardiovascular (uma) e clínica médica (uma). Primeira categoria - O ensino do abortamento descontextualizado dos direitos sexuais e reprodutivos: Este ensino é realizado com ênfase no processo fisiopatológico da gestação, não tendo enfoque como problema de saúde pública e sem correlação com as questões de gênero e dos direitos sexuais e reprodutivos. Ele é prioritariamente lecionado nas disciplinas da saúde da mulher e trabalhado em uma ou duas aulas somente e durante toda a graduação. Além da disciplina de saúde da mulher, essa temática também foi abordada nas aulas de ética, saúde mental, saúde pública, anatomia, pediatria e embriologia. Os conteúdos trabalhados pelas docentes foram: a fisiopatologia do aborto, os procedimentos e cuidados clínicos de enfermagem, a defesa de um cuidado baseado na ética profissional e a objeção de consciência como um direito dos profissionais de saúde. A correlação entre morbimortalidade materna e a problemática da clandestinidade foi pouco abordada. As enfermeiras mencionaram que não houve debate sobre o papel profissional no aborto legal, bem como esclarecimentos acerca dos procedimentos necessários para garantir à mulher o acesso ao abortamento nos casos previstos em Lei no Brasil. Segunda Categoria - O debate centrado no juízo de valor sobre o aborto: favorável versus desfavorável: Quando havia discussão sobre o tema em sala de aula, esta foi centrada no debate entre o ser favorável e o ser desfavorável ao aborto. Em relação à problemática da ilegalidade, alguns acadêmicos tinham posições contrárias ao abortamento e fundamentadas em valores morais e religiosos. Os estudantes ficavam reativos, incomodados e receosos em discutir o tema. Os professores mantinham uma atitude imparcial frente à dicotomia do contrário ou favorável, principalmente quando lecionavam a disciplina Ética (ou deontologia?). Ainda que nas aulas sobre direitos sexuais e reprodutivos tenha sido defendida a autonomia do corpo da mulher, isso não se verifica nas aulas sobre aborto. Destaca-se que os profissionais de saúde devem prestar uma assistência humanizada baseada na ética profissional e garantir o respeito aos direitos humanos das mulheres, independentemente de seus preceitos morais e religiosos4. Conclusão: Esse trabalho identificou que a abordagem do ensino de enfermagem sobre o tema abortamento permanece centrada na perspectiva biológica e com ênfase no processo fisiopatológico do aborto, descontextualizado dos direitos sexuais e reprodutivos e da saúde pública. Assim, o ensino requer avanços substanciais para o aborto não ser mais abordado com superficialidade, a fim de alcançar a formação de profissionais qualificados, reflexivos e críticos sobre as questões complexas envolvidas na temática, como aspectos legais, morais, religiosos e socioculturais, e dessa forma possibilitar que a assistência das mulheres em situação de abortamento seja isenta de qualquer tipo de discriminação; garantir o exercício dos direitos das mulheres, prevenir danos à saúde e reduzir a mortalidade materna. Sugere-se que essa temática seja discutida amplamente nas disciplinas curriculares para que as barreiras profissionais e institucionais ao abortamento legal possam ser superadas no país. 1. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº.3, de 7/11/2001. Institui Diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Diário Oficial da União 09 nov. 2001;Seção 1. 2. LEMOS, A. Aborto: (des)velando o (des)cuidado. Rev. Enf. Profissional. n.1 v.1 jan/abr. 2014. p. 106-116. 3. VARGENS, O. M. C., Direitos Reprodutivos: a enfermagem e a questão do aborto. Rio de Janeiro, s. n., 2001. 4. MAYORGA, C.; MAGALHÃES, M.. Feminismo e as lutas pelo aborto legal ou por que a autonomia das mulheres incomoda tanto? Direito de Decidir: Multiplos olhares sobre Aborto. MAIA, Monica [org]. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 5. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 33 ed. Petrópolis: Vozes, 2013. Descritores: Educação em enfermagem; Saúde da mulher; Aborto; |