Comunicação coordenada
321 | LICENCIATURA EM ENFERMAGEM: QUESTIONAMENTOS, ESCLARECIMENTOS E REFLEXÕES | Autores: Adriana Katia Corrêa (EERPUSP) ; Mara Regina Lemes de Sordi (Faculdade Educação UNICAMP) |
Resumo: As licenciaturas em enfermagem têm suas origens no final da década de 60, existindo, atualmente, no Brasil, 22 cursos, sendo 16 de instituições públicas e 06 de instituições privadas de ensino superior1. No momento atual de discussão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Graduação em Enfermagem (DCNs)2, faz-se necessário que tais cursos, contemplados nas DCNs, sejam também colocados em foco, conhecidos e discutidos, uma vez que vêm dedicando-se, com potencialidades e limites, à formação de um profissional diferenciado: enfermeiro e professor para a educação profissional em enfermagem. Tanto na internalidade da enfermagem como nas demais profissões da área da saúde, há muitos questionamentos e mesmo compreensões equivocadas sobre a licenciatura que merecem ser problematizadas e fundamentadas à luz das políticas e legislações acerca da formação docente para a educação profissional e das políticas de saúde, a partir de projetos político-pedagógicos de cursos em funcionamento, tendo como alicerce a relevância da formação em enfermagem contextualizada e comprometida social e eticamente com a melhoria das condições de vida da população brasileira, envolvendo atuação competente nas dimensões política, ética e técnica da enfermagem e da docência na educação profissional. O objetivo deste trabalho é apresentar alguns questionamentos, esclarecimentos e reflexões acerca das licenciaturas em enfermagem, contribuindo para as discussões que envolvem as Diretrizes Curriculares Nacionais da Graduação em Enfermagem. As discussões apresentadas neste estudo foram configuradas a partir da análise documental4 de Projetos Político-Pedagógicos (PPPs) de 13 Cursos de Licenciatura em Enfermagem oferecidos por instituições públicas em todas as regiões do Brasil, exceto norte, e da inter-relação dos dados concretos e intencionalidades anunciadas ou silenciadas nesses projetos e as políticas e legislações do campo da formação de professores e da saúde. Alguns questionamentos serão discutidos, a saber: quais as relações entre a formação de bacharelado e de licenciatura em enfermagem? Como relacionar a perspectiva de formação do professor como profissional da educação, tendo em vista a formação do enfermeiro como profissional inserido no campo da saúde? Quais são as possibilidades de campo de atuação profissional do licenciado em enfermagem? O licenciado em enfermagem é professor na educação básica, conforme atual organização do sistema educacional no Brasil? O licenciado em enfermagem tem formação suficiente para a atuação como enfermeiro nos serviços de saúde? Quais são as relações entre as licenciaturas e demais cursos de formação pedagógica para a docência? Todos os projetos de cursos analisados apontam que se tratam de cursos de Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem, organizados como graduação, uma vez que, do ponto de vista político-legal não mais se concebe a licenciatura como formação complementar, "apêndice", deixada ao final de um curso de Bacharelado. Discutir licenciatura implica, pois, também discutir a formação do enfermeiro bacharel, ficando compreendida a necessidade de domínio de campo de saber específico para o exercício tanto da enfermagem como da docência. A questão fundamental não é sermos bacharel antes de licenciado porque somos enfermeiros, mas podemos ser enfermeiros e professores em processo de formação que articule conhecimentos, permitindo fluidez entre a formação específica e a formação pedagógica. Não entendemos fluidez como fragilidade de conhecimentos, ao contrário, como abertura de espaços, interstícios, para que conhecimentos sólidos de ambas as dimensões da formação profissional de fato dialoguem, recomponham-se e apoiem a construção identitária do enfermeiro-professor. Esta compreensão precisa dialogar com a dimensão legal, tendo em vista, inclusive, dificuldades de manutenção de cursos de licenciatura em enfermagem atrelados ao bacharelado, a partir de legislações até então em vigor. Ainda nessa perspectiva de formação do enfermeiro professor, entram também em diálogo as concepções de formação geral para a docência, que implica garantir conhecimentos fundamentais que sustentem a docência como profissão independente de níveis, modalidades ou contextos de atuação4, e as especificidades da docência no campo da saúde. Quanto aos cenários de atuação profissional, cabe considerar que as origens das licenciaturas na enfermagem atreladas à possibilidade de atuação do enfermeiro como professor em disciplinas do "primeiro" e do "segundo graus", relativas a programas de saúde e higiene, muitas vezes, tem interferência na manutenção da educação básica (não profissional) como cenário de formação do licenciado nos projetos em foco. É importante delimitar o que seja obrigatório e específico, base nuclear da formação em licenciatura, e o que seja complementar, agregador de conhecimentos e práticas e, inclusive, importante para a formação do bacharel. Por outro lado, é fundamental resgatar a ideia de que a educação profissional (na qual se inclui a formação dos trabalhadores técnicos de nível médio) é modalidade da educação básica, segundo legislações específicas. Assim, compreendemos que a licenciatura como "licença" para uma atuação profissional implica, na especificidade da enfermagem, formar professor para a atuação nas escolas técnicas, sendo as práticas educativas de promoção à saúde na escola dimensão importante, mas não o cerne que justifique a licenciatura em enfermagem. Até 2015, previamente às atuais DCNs5 para formação de professores no Brasil, foram comuns cursos de formação pedagógica para enfermeiros e mesmo para outros profissionais da área da saúde para a docência na educação profissional, considerados como programas especiais de formação. Nesse momento, face à nova legislação, urge colocar em discussão as possibilidades de percursos formativos para além da licenciatura, não negligenciando a docência em sua complexidade e especificidade. Tratam-se de questões complexas na medida em que colocam em foco a dupla formação de enfermeiro e de professor para a educação profissional em enfermagem. As origens da licenciatura em enfermagem e a conformação histórica que veio configurando-se ao longo dos anos foram, de certo modo, cristalizaram algumas ideias e subestimaram algumas finalidades fundamentais da formação, deixando os cursos de licenciatura silenciados em suas potencialidades. Daí a necessidade de serem considerados em suas potencialidades e limites, tendo em vista a contribuição para o exercício da enfermagem e da docência na educação profissional com qualidade social, portanto comprometido com o SUS que de fato almejamos construir. Referências 1. Ministério da Educação E-MEC. Instituições de educação superior e cursos cadastrados [página na internet] [Acesso 2015 jul 15]. Disponível em: http://emec.mec.gov.br 2. Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3: institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em enfermagem. Brasília (DF): ME; 2001. 3. Cellard, A. A análise documental. In: Poupart, J, Deslauriers, JP, Groulx, LH, Laperriére, A, Mayer, R, Pires, AP. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Rio de Janeiro (RJ): Vozes; 2012. 4.Freitas HCL. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre os projetos de formação. Educ. Soc. (Campinas). 2002; 23(80):136-167. 5. Ministério da Educação (BR), Conselho Nacional de Educação, Conselho Pleno. Resolução CNE/CP nº 2: institui diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial em nível superior (curso de licenciatura, formação pedagógica para graduado e curso de segunda licenciatura). Brasília (DF): ME; 2015. Descritores: docentes de enfermagem, educação profissionalizante, educação em enfermagem. Eixo 2 - A formação em Enfermagem: da política à prática profissional Temática 3 - Educação profissional ______________________________ Estudo extraído de parte de pesquisa de Pós-Doutorado desenvolvida na Faculdade de Educação - UNICAMP, 2015, com fomento CNPq. Compõe também Programa Pró-Ensino na Saúde 2037/2010 - CAPES. 2 Enfermeira, Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP. adricor@eerp.usp.br 3 Enfermeira, Professora Doutora da Faculdade de Educação - UNICAMP. |